Em Portugal existe a ideia generalizada de que não existe acesso à cultura, ou que este é muito difícil. Somos todos uns pategos incultos, e que sempre o seremos porque somos pobres, no espiríto e no bolso. Isto para mim são balelas. A maioria das pessoas está-se nas tintas para a arte, isso é verdade, o que acontece é que os eventos que existem são dirigidos a esta ou aquela elite e não ao público em geral. Hoje estou aqui para escrever sobre teatro, e esta arte é um exemplo perfeito do que estou a falar. Existem inúmeros teatros em Lisboa, alguns no Porto, fora disso poucos, já estamos habituados às assimetrias regionais e isto parece natural, mas não é. Aqui caberia talvez aos municípios estimular a criatividade a nível local mas outros valores se impõem, é pena. Outro lado da questão, numa dada altura pode haver muitas peças em exibição, mas os grandes êxitos com "sucesso generalizado" (alguma ou outra peça que o zé povinho já ouviu falar) contam-se pelos dedos das mãos. As encenações de Filipe La Féria têm o dom de conseguir essa proeza, chegar não apenas ao clube restrito dos intelectuais e dos ricos que se gostam de ir pavonear para o teatro (estes são cada vez menos, hoje em dia há sítios mais in como o Casino) e conseguir que todo o Portugal oiça falar das suas peças. Desde já merece ser felicitado por isso.
Já não pisava um teatro à montes de tempo (desde o ano passado), que vergonha, um tipo com delírios pseudo-intelectualóides como eu e que não é frequentador habitual dos palcos devia era levar umas pancadas de Molière na tola como castigo. No outro dia tive a oportunidade de me redimir, uma amiga propôs-me a visita ao Teatro Politeama para vêr a adaptação aos palcos portugueses do clássico do cinema Música no Coração. Ela, fã incondicional do filme, e possuidora duma cópia que revê a intervalos regulares decidiu levar a filha ao teatro pela primeira vez, eu tive todo o gosto em acompanha-las. A pequena ficou impressionada, pode dizer-se até embasbacada com o teatro, o edifício, as luzes, os trajes, os actores, o desenrolar do pano e da acção. Como ela havia muitos espectadores de tenra idade na plateia. Espero que tenham ficado convertidos, precisamos ir buscar mais fãs dos Morangos com Açúcar e mostrar-lhes o que são actores a sério...
Mas vou falar da peça em si, já basta de divagar. O argumento é fiel à história original, a pequena noviça ingénua que gosta de bailar e cantar causa reboliço no convento e mandam-na tomar conta dos sete filhos do capitão Von Trapp, partir daí a história desenrola-se como todos sabemos. A nós calhou-nos assistir à interpretação de Lúcia Moniz, que se reveza com a Anabela no papel principal. Eu ia um pouco à espera de me aborrecer das cantorias a meio do musical, mas isso não aconteceu, todas as canções foram adaptadas ao português de forma excelente. Surpreendi-me com as capacidades interpretativas da actriz principal, de tal forma que não dei pelo tempo passar. A caracterização também é fiel ao original, com os trajes e os cenários a fazerem-nos lembrar a película. A propósito de cenários, convém dizer que todos os truques de cenografia ainda vêm trazer mais riqueza a todo o conjunto. Pequenas surpresas como quando o quarto da protagonista, que é no sótão, aparece vindo de cima e fica suspenso sobre o cenário da cena anterior. O desenrolar da acção leva ao sabido final feliz, mas creio que em toda a plateia ficou reavivado o sentimento de ingenuidade e fantasia que se experimenta ao ver o filme pela primeira vez. No fim foi o público que deliciou os intervenientes na peça com uma ovação em pé, bem merecida diga-se de passagem.
Como comentário final posso dizer que estou a pensar convidar as minhas duas acompanhantes para ir ao teatro de novo, também ao Politeama, ver a adaptação de outro clássico com o cunho La Féria que por lá passa nestes dias, o Principezinho.
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