Antes de mais vou esclarecer a minha posição religiosa. Eu sou agnóstico, ou seja, acredito que o ser humano não sabe, nem nunca poderá saber qual é a verdadeira natureza divina, ou sequer se Deus existe. Na verdade nenhuma das religiões me convence, não consigo engolir as explicações deles para os mistérios do mundo. Aceito que a religião seja necessária, é preciso orientar os pobres de espiríto. Dizia Karl Marx que a religião é ópio do povo. Acho que não é bem isso, a religião dá ao crente um sistema de recompensa e castigo, portas-te bem vais pó céu, portas-te mal vais pó inferno. Antes de se terem escrito leis, antes de terem inventado o senso comum, alguem teve de inventar modos de coabitar em sociedade. Códigos de conduta aceitáveis. Tenho de investigar melhor, mas parece-me a mim que o conceito do bem e do mal deve estar intimamente ligado aos dogmas da religião.
Mas sejamos honestos, há coisas que não batem certo. Vamos tomar como exemplo o Cristianismo. O Deus do Velho Testamento, um Jeová cruel e vingativo. Há um episódio na Bíblia em que é pedido a Job (um homem bondoso e justo) que prove a sua fé, são-lhe exigidos inúmeros sacrifícios, incluíndo a vida dos próprios filhos. Ora, é este o mesmo Deus que no Novo Testamento fala de amor e perdão pela boca de Jesus? Acho que o J.C. foi um visionário, um hippie adiantado 2000 anos, mas apenas um homem. O gajo existiu mesmo, está provado. Milagres não sei se fez, mas os ensinamentos dele têm toda a lógica. O grande problema é que a religião é um instrumento poderoso, e quando as pessoas que têm esse poder na mão têm motivações duvidosas é muito perigoso. Há princípios fundamentais de respeito pelo ser humano que são pregados por vários credos, para logo a seguir serem desrespeitados em nome do Senhor. No Al-Corão não se incita à violência, muito pelo contrário... mas isso é só um exemplo.
Vem tudo isto a propósito da trasladação do corpo da irmã Lúcia no passado Domingo. Eu tive a assistir a um bocadinho daquilo enquanto almoçava aqui numa tasca de Alfama. Parece que todos os canais generalistas levaram a cobertura do evento muito a sério, deu direito a transmissão em directo a tarde toda. Depois da pompa e circunstância do funeral, já está na calha a beatificação. Não sei se houve muita gente a seguir esta epopeia por televisão, ou mesmo no próprio santuário, mas eu achei a celebração intrigante. Os três pastorinhos viram umas luzes e a Virgem Maria à uma data de anos, parece que houve mais gente a ver também. Não sei, eu não estava lá. Se calhar viram mesmo. Também há os segredos, mas esses também não me convencem. O Luis de Matos também adivinhou os números dos totoloto... Mas só os revelou depois de ter sido o sorteio claro! Não posso evitar interrogar-me, que é que esta senhora fez que se visse? Esteve enfiada num convento toda a vida. A maioria dos candidatos à beatificação, além do sofrimento ou perseguições que experimentaram em vida, também deixaram obra feita. Ajudaram o próximo. Que marca é que os pastorinhos deixaram para a posteridade?
O nascimento de uma cidade, Fátima, onde antes não havia nada. E de um culto, o da Virgem de Fátima. Vou ser sincero, já estive em sítios que me inspiraram um sentimento de religiosidade, quando entramos numa catedral sentimos-nos pequenos. Também nos podemos sentir perto de Deus a contemplar o céu, ou a admirar uma paisagem. Das vezes que fui a Fátima só consegui sentir pena daquelas pessoas que andam por lá, a pagar promessas. Não sei porquê o ser humano tem a tendência a auto-flagelar-se quando não se sente bem consigo próprio, é um fenómeno bem conhecido dos psicólogos e psiquiatras. Depois de se terem arrastado de joelhos pelo santuário, podem ir ali já ao lado, às lojas de recordações. Já de coração limpo, podem comprar uma medalha, ou um calendário, até mesmo um corta-unhas com a imagem de Nossa Senhora. Já se sabe, os objectos pequeninos mais baratos são os que se vendem melhor. Os próprios comerciantes da zona acham que o culto já teve melhores dias, o negócio anda fraco.
É tudo demasiado brejeiro, mesmo à portuguesa. Mas isto não escapa aos responsáveis eclesiásticos, aquilo precisa é duma reestruturação, um bom plano de marketing, gestão profissional. O vaticano também já reparou.
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