segunda-feira, fevereiro 6

Um adeus

Hoje os sinos dobraram, a igreja de Santo António estava aberta. Alguns familiares, meia dúzia de conhecidos. Fui despedir-me de ti, estavas lá, mas já não te encontrei, não tive coragem sequer de espreitar. Sentei-me para contemplar uma caixa de madeira e chorar. Deixaste-me.

É impressionante como consigo ser egoísta com as pessoas que verdadeiramente gosto, mas é isso que sinto, deixaste-me. Na realidade fui eu que te abandonei neste últimos anos. O lar e os hospitais deprimem-me, tresanda a morte lá dentro. Especialmente no lar, as pessoas parecem abandonadas, conchas vazias sem esperança. Esperar a morte deve ser isso mesmo, a ausência de esperança.

Deste-me tanto, especialmente muitos momentos felizes de miúdo. Lembro-me bem de visitar-te, brincar na tua casa e no teu quintal. Lembro-me de me levares a passear por tardes solarengas de primavera, largar-te a mão para ir correr por campos verdes cobertos de amarelo e roxo. Beber a água daquele coxo de cortiça. Descobrir cantinhos secretos no meio de nada. Tinha tanta fantasia quando era miúdo, mais tarde, já adolescente em tempos de raiva e confusão conseguiste fazer-me sentir amado.

Amanhã voltas à terra, voltas para o lado do avô, como sempre quiseste. Espero não te ter desiludido.

1 comentário:

Anónimo disse...

"Deste-me tanto, especialmente muitos momentos felizes de miúdo. Lembro-me bem de visitar-te, brincar na tua casa e no teu quintal. Lembro-me de me levares a passear por tarde solarengas de primavera, largar-te a mão para ir correr por campos verdes cobertos de amarelo e roxo. Beber a água daquele coxo de cortiça."

Nem sabes o quanto me revejo neste pedaço que escreveste...

e como já te disse tambem, acho que somos sempre egoístas com quem gostamos... é um facto, porque nunca queremos perder as pessoas de quem gostamos.

Beijos ***